segunda-feira, 4 de junho de 2012

Vale da Biodiversidade

“O Código Florestal é um retrocesso a proteção ambiental brasileira” enfatiza a Dra. Geovana Cartaxo, pesquisadora na área de Direito Ambiental


As mudanças no Código Florestal e o recente veto da presidenta Dilma intensificaram as discussões sobre a legislação ambiental brasileira fazendo dando continue a mobilização pela proteção ambiental e modificação do código, que contraria o ponto de vista de ambientalistas pela preservação e conservação da biodiversidade brasileira.
A insatisfação instiga a articulação de novos projetos de lei pela proteção das florestas “porque a maior riqueza do Brasil é essa biodiversidade que nós precisamos resgatar e proteger”, explica a professora Geovana  Cartaxo, mestre em Direito e Desenvolvimento, cuja dissertação foi intitulada “O direito ambiental como instrumento para participação comunitária na defesa do meio ambiente”. A advogada atua no direito ambiental se dedicando a abordagem das áreas de preservação permanente, a legislação urbana e o desenvolvimento sustentável.
Confira a seguir a entrevista da professora Geovana Cartaxo concedida ao portal de notícias e informações jurídicas direitoce.com.br
 
Professora Geovana, existe um grande debate ambiental sobre as mudanças no Código Florestal. Que análise a senhora faz deste assunto?
O novo Código Florestal, modificado recentemente pela medida provisória da presidenta Dilma, com alguns vetos, é um retrocesso  a proteção ambiental, tanto para a economia, principalmente para o equilíbrio ambiental, não só no campo mas na cidade. O Brasil sofreu recentemente vários problemas de grandes inundações, a exemplo de Santa Catarina, exatamente pelo desequilíbrio ambiental e a devastação das áreas de preservação.

E a relevância dos vetos realizados pela presidenta a alguns artigos?
Os vetos foram importantes porque diminui a anistia, que era total. Ela modulou as áreas por tamanho de propriedade que devem ser recuperadas e isso pelo menos tem alguma área a ser recuperada. É preciso organizar a fiscalização disso. O veto importante que ela fez foi o cadastro rural, mas é preciso ampliar esse cadastro para ele ter maior transparência. Não está clara a transparência desse cadastro. A gente está agora com Lei de Acesso a Informação e esse cadastro tinha que ser acessível a toda a população, está na internet. Isso a lei também não trouxe de forma clara para que a população ajude a fiscalizar ou ajude a tornar mais transparente esse processo de recuperação ambiental.

Então, o veto ainda deixou muitas lacunas para que aconteça uma efetiva proteção das florestas?
O veto foi muito tímido no final das contas. Ele trouxe pequenos avanços e não o que a sociedade pediu e se mobilizou por muito mais. Também não atendeu as expectativas dos ambientalistas. Queria-se um efetivo veto total da lei para recomeçar a discussão. O processo foi muito sem participação no Congresso. Foi muito atabalhoado, a academia não foi ouvida. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) se manifestou contra. Vários cientistas e também pequenos produtores se manifestaram pelo veto total. E a recuperação que pode ser feita por qualquer espécie também foi muito criticada. Vai diminuir a biodiversidade. Uma área que o Código Florestal previa como mata nativa, hoje pode ser recuperada com eucalipto.
 
E as Áreas de Preservação Permanente (APP)?
Foram anistiadas todas as formas de desmatamento até 2008 e a área de recuperação que a medida trouxe muito pequena. Agora, a partir da medida provisória só é obrigado a recuperar  as áreas de preservação, isto é, as margens de rio, as encostas de acordo com o tamanho da propriedade. Do ponto de vista ecológico, isso é absurdo. A margem do rio em determinada área vai ser recuperada 5 metros. Se a propriedade for grande essa área pode crescer até quinze, trinta metros. Essa variação, não tendo como referência o ecológico e o equilíbrio ambiental não responde a necessidade de sobrevivência desses ecossistemas.

Como fica a luta dos pequenos produtores?
Uma das lutas que os pequenos produtores tinham é que a medida não fosse só pelo tamanho da propriedade, mas também pelo uso. As vezes a propriedade é pequena, mas é uma propriedade de veraneio e não é um pequeno produtor rural. Essa diferença não foi feita pela lei. É simplesmente o tamanho da propriedade e não se você tem uma atividade econômica que vá limitar a atividade pela proteção ambiental. Então em vários aspectos, seja pela anistia das muitas das áreas degradadas, seja pela pequena margem de recuperação que foi imposta pela medida provisória é um retrocesso.

E os manguezais no Ceará?
É uma área muito grande, de ocupação por ecossistema, que é muito frágil. Nós temos no Ceará, os manguezais. Uma área que está sendo muito afetada. Eles respondem por noventa por cento do equilíbrio das espécies marinhas. Noventa por cento do que consumimos se reproduzem nos manguezais. Então isso é muito importante para a pesca, para uma série de populações tradicionais do Ceará, que tiram seu sustento da pesca. E a medida provisória permite trinta e cinco por cento de ocupação. É difícil de ser executada. A gente não sabe como medir esses trinta e cinco por cento, como mapear  e controlar.

Como fica o trabalho das ONGs com as mudanças no Código Florestal?
As ONGs no Ceará se mobilizaram bastante, foram várias manifestações pela defesa do Código Florestal, Terramar, Aquasis, Tucum. Várias ONGs tem a defesa do meio ambiente e a defesa das populações das comunidades do Ceará que sofre com secas muito severas e é fundamental a proteção ambiental para que a gente tenha água. Então o discurso de produção com a devastação ambiental ele também não se sustenta. Os estudos da USP e da Esalq, têm demonstrado que os municípios com maior área de preservação são os mais produtivos. Então, é meramente um capricho dos deputados, porque muitos deles têm processos de multa e processos ambientais.

Estamos as vésperas da Rio + 20 ....
É um absurdo esse retrocesso, as vésperas da Rio + 20. Você ter um retrocesso ambiental nesse sentido, em que se quer fundar uma economia verde, quer mudar esse sistema, para um sistema mais sustentável e a legislação vai no sentido oposto.

Quanto as áreas de conservação o que muda com o novo Código Florestal?
Também houve um retrocesso muito grande porque foi mudada a possibilidade de criação das unidades de conservação. Elas passaram a ser uma obrigação das assembleias e do Congresso e não mais da presidente. Então todas as áreas de quilombo, como as unidades de conservação federal estão restringidas na sua criação federal. Nós precisamos criar mais áreas de proteção ambiental. Nós temos um fundo que também não é transparente, não é gerido. Tem recursos para isto, no entanto, há uma dificuldade na criação dessas áreas e nos últimos anos diminuíram essas novas unidades de conservação.
 
Houve um retrocesso na criação das áreas de conservação nos últimos anos?
Nos últimos anos houve uma diminuição nesse processo de conservação. A Semana do Meio Ambiente era comemorada com a criação de novas áreas que deve ser precedida de estudos técnicos e de audiências públicas A criação de unidades de conservação é um processo longo. Precisa de mobilização dos órgãos ambientais para a identificação e criação que em si não é suficiente. É necessário um plano de manejo e de recursos para você manter essas unidades de forma sustentável.

E as unidades de conservação?
Uma unidade de conservação muito interessante dos sistemas de conservação brasileiro são as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), ou seja o proprietário rural por iniciativa dele, não precisa esperar o poder público, pode pegar parte da propriedade dele e criar o RPPN. Com isso ele vai receber incentivos fiscais, não vai pagar imposto  sobre aquela área e vai ter prioridade sobre os financiamentos públicos. Isso poucas pessoas conhecem, principalmente aqui no Ceará. Nós precisamos criar mais. Temos as áreas de caatingas muito afetadas e é um incentivo econômico conciliar a economia e a proteção ambiental pela criação das RPPNs. Isso pode ser feito tanto via Semace como pelo Ibama, mas deve partir da iniciativa do particular, do dono da terra.

Quanto as manifestações pelo veto realizadas em Fortaleza ...
Fortaleza conseguiu organizar duas grandes manifestações pelo veto a Dilma. Foi mobilização pela internet. Não teve liderança, não teve um partido, mas foram jovens que criaram uma página no facebook, me convidaram e a gente foi para algumas reuniões. Foi uma organização colaborativa de pessoas que nem se conheciam muito bem e cada um levou uma atividade. Houve pintura, cartazes. Acho que a questão ambiental, como ela une muita gente e ela é uma nova utopia, uma nova esperança, com um compromisso ético e com o futuro ela foi interessantíssima pelo uso das novas tecnologias, do twitter e do facebook. Pintaram no chão as árvores mortas. Tinha o teatro dos ruralistas implicando com todos os manifestantes. Houve a árvore dos desejos. Todo mundo que passava escrevia um bilhetinho, um pedido em relação ao futuro e depois houve uma grande ciranda, todo mundo deu as mãos e cantou. Foi realmente uma manifestação bem emocionante, bem diferente com novas formas de mobilização que eu acho que é o futuro dessa política mediada, pela internet.